Resolução da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda
Sobre os resultados das eleições legislativas de 18 de maio
- O Bloco de Esquerda tem o pior resultado da sua história em eleições para a Assembleia da República. O Bloco encara estes resultados com preocupação e pretende realizar um balanço que permita corrigir erros cometidos, ouvir toda a militância e também pessoas independentes, amadurecer uma orientação que garanta a influência deste projeto político, da sua intervenção social e da sua alternativa. Esse processo não se faz com pressa nem encontrando um único fator explicativo. Exige tempo, humildade, abertura e disponibilidade para encontrar caminhos que só descobriremos coletivamente.
- O somatório das votações dos partidos à esquerda do PS é o mais baixo de sempre e o mesmo se verifica quando este somatório inclui o PS. Estas derrotas - do conjunto da esquerda e do Bloco - colocam o país perante graves riscos. Para as compreendermos, é preciso estudar os fatores que determinaram o desastre eleitoral, bem como o que é específico a cada força política. Esta resolução discute algumas condicionantes políticas nacionais e internacionais e o seu impacto, em particular a manobra do primeiro-ministro, o efeito da transformação da imigração no centro do debate político e ainda o medo da guerra. Inicia também uma reflexão sobre a nossa campanha.
O contexto das eleições
- A crise política criada pelo primeiro-ministro na sequência da violação dos seus deveres de exclusividade foi uma manobra com precedentes na governação recente que contribuiu para a degradação do ambiente político. Revelou-se um sucesso para Montenegro, permitindo-lhe recuperar capacidade de iniciativa. A sua primeira indicação, no sentido de admitir uma revisão constitucional com a IL e o Chega, mesmo que enroupada numa declaração sobre disponibilidade aberta, é uma indisfarçada e gravíssima ameaça contra alguns dos pilares das conquistas democráticas de Abril.
- A ocupação do centro do debate político pelo tema da imigração foi um fator importante para o desaire das esquerdas. Portugal sofreu uma das mais profundas transformações na sua composição social e no perfil da classe trabalhadora. Em poucos anos, o número de trabalhadores estrangeiros multiplicou-se por dez e corresponde a cerca de um terço da população ativa. Um segmento relevante desta nova classe trabalhadora não vem dos países de língua portuguesa. Neste contexto, a falência dos serviços de atendimento e regularização e o desinvestimento em respostas abrangentes na habitação, serviços públicos e acesso à língua potenciaram a narrativa da extrema-direita. Esta foi adotada pelo governo na justificação da nova legislação e legitimada também, secundariamente, pelos recuos na posição do PS sobre o tema. Essa narrativa foi popularizada pelo sensacionalismo de alguns meios de comunicação social e sobretudo pela manipulação de massas através das redes sociais. De facto, a extrema-direita conseguiu transformar a imigração na explicação para todas as dificuldades da vida da população, desde a habitação até aos hospitais.
- O Bloco e outros partidos foram penalizados no voto em consequência desta realidade. A lição é que continua a ser central a ação militante antirracista e antifascista, a criação de espaços comuns e unitários, a intervenção nos territórios populares disputados pelo autoritarismo e pelo discurso de ódio. É crucial encontrar formas de abrir os sindicatos aos trabalhadores estrangeiros, de criar mecanismos de inclusão, de impedir a exploração de diferenças para promover ressentimento social. A luta contra a divisão da classe trabalhadora é essencial hoje como amanhã.
- A reeleição de Trump tem várias consequências para a política internacional, que impulsionam a extrema-direita: em primeiro lugar, promove o genocídio em Gaza e torna Netanyahu inexpugnável às pressões internacionais, hostilizando governos que denunciaram o genocídio palestiniano, como o sul-africano; em segundo lugar, procura uma aliança com Putin; em terceiro lugar, promove uma internacional reacionária envolve diretamente a administração norte-americana nas eleições da Alemanha e de outros países europeus; em quarto lugar, usa as tarifas como uma política económica de submissão dos seus aliados e parceiros, e de confronto com a China.
- Nesse contexto internacional, o Bloco de Esquerda identificou o risco de acentuação da viragem à direita verificada desde há um ano, em particular, sob o aumento da pressão militarista neste novo quadro. Essa pressão cria medo e desloca a política para a direita, levando os partidos do centro a aceitar a corrida armamentista europeia e a submissão à NATO.
- Estes três fatores - a jogada da AD, que adotou o discurso sobre estabilidade que deu a maioria absoluta ao PS em 2022; a centralidade da questão da imigração, definidora de toda a política nacional; e o medo face à propaganda militarista – foram determinantes do contexto geral das eleições.
A resposta imediata à ameaça à Constituição
- A maior transformação ocorrida a 18 de maio foi o crescimento do Chega. Este resultado demonstra a sua capacidade de manter o eleitorado que recuperou à abstenção em 2024, aumentando-o em todo o território, com destaque para zonas mais deprimidas socialmente, do interior e das antigas cinturas industriais. Elevando-se previsivelmente a segundo partido em número de deputados (assim termine a contagem dos votos dos círculos da emigração), o Chega passa de facto a disputar o governo. Esta nova situação vai traduzir-se numa degradação geral das condições de exercício da democracia, tanto no parlamento (onde o Chega conduz há vários anos uma estratégia de esgotamento das condições de debate e expressão), como na sociedade, com a banalização da violência racista, machista, transfóbica e homofóbica e, em geral, fascista. Ao tornar-se maioritário no sul do país e em Setúbal, e ao reforçar a sua votação em todos os distritos, a extrema-direita ganha votos populares, incluindo muitos que no passado eram representados pelas forças de esquerda. Com essa representação, o Chega agravará a sua campanha xenófoba e anti-democrática, articulada com a ação de grupos criminosos que se movem na sua periferia (veja-se o recente ataque à manifestação do 25 de abril por um bando neonazi, logo aplaudido pelo Chega).
- Na nova composição parlamentar, nenhum dos três maiores partidos pode compor maioria com partidos mais pequenos. No entanto, pela primeira vez os partidos à direita do PS ultrapassam o limiar dos dois terços que lhes permite promover alterações à Constituição. Este facto torna-se central na presente situação política, configurando um verdadeiro risco de alteração regressiva do regime constitucional, considerando o histórico do PSD nesta matéria, tanto no ataque às pensões sob a troika, como nas propostas de revisão da lei eleitoral, ou ainda nas declarações recentes sobre direito à greve. IL e Chega já anunciaram as suas intenções. O Bloco de Esquerda considera essencial a expressão unida de todas as vozes e forças políticas que se reveem nos valores e no texto da Constituição do 25 de abril, em defesa das liberdades e garantias por ela consagradas.
- Para o Bloco, o objetivo não é só resistir à vaga fascista e xenófoba ou a possíveis e perigosas conjugações da direita e extrema-direita, ou ao apoio do PS à governação de Montenegro. O objetivo do Bloco é reerguer-se, recuperar, criar e ampliar alianças e lutar pelo nosso povo com determinação.
A campanha do Bloco
- Nas novas circunstâncias políticas revimos o nosso modelo de campanha. Assim, decidimos focar-nos em poucos temas essenciais a que demos o maior destaque, procurando disputar o debate público: o teto às rendas, os direitos de quem trabalha por turnos e o imposto sobre as fortunas. Não abandonámos outras batalhas programáticas que fazem a identidade do Bloco, como os serviços públicos, igualdade, ou a rejeição da xenofobia, ou a oposição à guerra, mas concentrámo-nos naqueles temas para que fossem a nossa marca. Foi também desse modo que evitámos uma discussão vazia sobre governabilidade, apontando as medidas que permitiriam mudar de vida para partes significativas da população e que a nossa representação parlamentar disputaria em qualquer circunstância. Essa política teve efeito: a questão dos tetos às rendas foi importante no debate político, obrigou todos os nossos adversários a pronunciarem-se, foi reforçada pelas notícias crescentemente alarmantes sobre a crise da habitação e foi identificada por parte da população como uma resposta válida. Continuará a ser uma das lutas mais importantes para a vida do nosso povo – mesmo a maioria das famílias trabalhadoras, que compra casa própria, sabe que os seus filhos não o poderão fazer e não conseguem alugar uma casa. A segunda proposta, sobre o trabalho por turnos, foi apoiada por milhares de trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, nenhuma delas impulsionou uma recuperação eleitoral, no contexto atrás descrito.
- Em segundo lugar, a nossa campanha favoreceu iniciativas descentralizadas de contacto direto, através do porta a porta. Fomos a mais de vinte mil casas e iniciamos uma forma de ação política que será fundamental no futuro. Fizemo-lo de modo diferenciado no país, mobilizando jovens militantes, aderentes recentes e mais antigos, que verificaram como podiam intervir diretamente e não como espectadores da campanha eleitoral. Pela mesma razão, substituímos os tradicionais comícios por “conversas de café”, abertas ao diálogo com toda a gente, e por festas e sessões públicas criativas e animadas.
- Em terceiro lugar, mobilizamos todas as nossas forças, incluindo as candidaturas dos fundadores do partido. Essas candidaturas não tiveram efeito eleitoral, mas tiveram efeito militante, dinamizando as campanhas em distritos maiores.
- Essas escolhas não inverteram o nosso ciclo eleitoral e o Bloco sofreu a sua pior derrota. E, sabendo que a discussão sobre o balanço das eleições permitirá identificar erros e apreciará, além das questões referidas, os modelos de comunicação, as formas de organização, a pedagogia da campanha, a adequação das respostas a campanhas sujas, ou outros aspetos desta batalha, o Bloco afirma que não deixará de lutar pelo que levamos a estas eleições: por uma política popular de habitação, pelos direitos de quem trabalha, contra a desigualdade e pela qualidade e garantia de serviços públicos, contra as ameaças fascistas e pela unidade em defesa da vida democrática e das regras constitucionais que a protegem.
Deliberações
- Nos dias 13 e 14 de junho, no Porto, o Bloco de Esquerda recebe o congresso fundador da Aliança de Esquerda Europeia para os Povos e o Planeta, um novo partido político europeu que junta Bloco de Esquerda (Portugal), La France Insoumise (França), Aliança de Esquerda (Finlândia), Podemos (Espanha), Aliança Verde e vermelha (Dinamarca), Razem (Polónia) e Partido de Esquerda (Suécia). O avanço das forças de extrema-direita e as crises social, ambiental e internacional exigem uma cooperação mais eficaz da esquerda verde, feminista e anti-racista europeia. O Bloco de Esquerda empenha-se nesta nova aliança e convida aderentes e simpatizantes a uma participação ativa neste momento de debate e aprendizagem. Neste congresso, aberto à participação de outras forças de esquerda, europeias e internacionais, e a movimentos e ativismos sociais, pretendemos criar novas formas de trabalho solidário e preparar acções concretas de mobilização contra o capitalismo e contra a guerra, de resistência à extrema-direita e de recuperação de maiorias sociais à esquerda.
- O Bloco de Esquerda continuará a preparação das suas candidaturas às eleições autárquicas, reafirmando o seu empenho em entendimentos programáticos para convergências à esquerda, sejam estas com o PS em Lisboa para derrotar Carlos Moedas, sejam para afirmar alternativas autárquicas à esquerda. Mesmo em concelhos onde o Bloco já apresentou candidatura, mantém a sua disponibilidade para processos de convergência, sempre que possível, com o PCP, o Livre, o PAN e movimentos de cidadãos.
- Face às numerosas adesões de jovens verificadas ao longo da campanha eleitoral e nos dias seguintes às eleições, a Mesa Nacional reitera o seu apelo à participação no Acampamento Liberdade, que se realizará no centro do país de 24 a 27 de julho. Este e outros encontros alargados de formação e debate político, como o Socialismo 2025, que se realizará de 29 a 31 de agosto, são críticos nesta fase nova da vida do país.
- Em face da nova situação política e da pesada derrota eleitoral do Bloco, a Mesa Nacional decide lançar nova convocatória de Convenção Nacional para as datas de 29 e 30 de novembro. Não se trata portanto de retomar o processo que estava suspenso por força das eleições, dado que a mudança das circunstâncias políticas nacionais, a necessidade de reflexão profunda e de definição de uma orientação para os próximos anos não poderia ser tratada como a mera conclusão de um processo iniciado em janeiro de 2025, quando nem se imaginava a convocação de eleições legislativas e Trump não tinha tomado posse. Com esta decisão, abre-se um novo período para apresentação de moções de orientação e é atualizado o universo dos aderentes com direito a elegerem e a serem eleitos.