Mesa Nacional reuniu a 24 de maio

Mesa Nacional
24 de Maio 2025

A Mesa Nacional do Bloco de Esquerda discutiu os resultados das eleições legislativas e decidiu lançar nova convocatória para a Convenção do partido para os dias 29 e 30 de novembro. Ler resolução política aprovada.

Resolução da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda 

Sobre os resultados das eleições legislativas de 18 de maio

 

  1. O Bloco de Esquerda tem o pior resultado da sua história em eleições para a Assembleia da República. O Bloco encara estes resultados com preocupação e pretende realizar um balanço que permita corrigir erros cometidos, ouvir toda a militância e também pessoas independentes, amadurecer uma orientação que garanta a influência deste projeto político, da sua intervenção social e da sua alternativa. Esse processo não se faz com pressa nem encontrando um único fator explicativo. Exige tempo, humildade, abertura e disponibilidade para encontrar caminhos que só descobriremos coletivamente.  
  2. O somatório das votações dos partidos à esquerda do PS é o mais baixo de sempre e o mesmo se verifica quando este somatório inclui o PS. Estas derrotas - do conjunto da esquerda e do Bloco - colocam o país perante graves riscos. Para as compreendermos, é preciso estudar os fatores que determinaram o desastre eleitoral, bem como o que é específico a cada força política. Esta resolução discute algumas condicionantes políticas nacionais e internacionais e o seu impacto, em particular a manobra do primeiro-ministro, o efeito da transformação da imigração no centro do debate político e ainda o medo da guerra. Inicia também uma reflexão sobre a nossa campanha.

 

O contexto das eleições

  1. A crise política criada pelo primeiro-ministro na sequência da violação dos seus deveres de exclusividade foi uma manobra com precedentes na governação recente que contribuiu para a degradação do ambiente político. Revelou-se um sucesso para Montenegro, permitindo-lhe recuperar capacidade de iniciativa. A sua primeira indicação, no sentido de admitir uma revisão constitucional com a IL e o Chega, mesmo que enroupada numa declaração sobre disponibilidade aberta, é uma indisfarçada e gravíssima ameaça contra alguns dos pilares das conquistas democráticas de Abril.
  2. A ocupação do centro do debate político pelo tema da imigração foi um fator importante para o desaire das esquerdas. Portugal sofreu uma das mais profundas transformações na sua composição social e no perfil da classe trabalhadora. Em poucos anos, o número de trabalhadores estrangeiros multiplicou-se por dez e corresponde a cerca de um terço da população ativa. Um segmento relevante desta nova classe trabalhadora não vem dos países de língua portuguesa. Neste contexto, a falência dos serviços de atendimento e regularização e o desinvestimento em respostas abrangentes na habitação,  serviços públicos e acesso à língua potenciaram a narrativa da extrema-direita. Esta foi adotada pelo governo na justificação da nova legislação e legitimada também, secundariamente, pelos recuos na posição do PS sobre o tema. Essa narrativa foi popularizada pelo sensacionalismo de alguns meios de comunicação social e sobretudo pela manipulação de massas através das redes sociais. De facto, a extrema-direita conseguiu transformar a imigração na explicação para todas as dificuldades da vida da população, desde a habitação até aos hospitais. 
  3. O Bloco e outros partidos foram penalizados no voto em consequência desta realidade. A lição é que continua a ser central a ação militante antirracista e antifascista, a criação de espaços comuns e unitários, a intervenção nos territórios populares disputados pelo autoritarismo e pelo discurso de ódio. É crucial encontrar formas de abrir os sindicatos aos trabalhadores estrangeiros, de criar mecanismos de inclusão, de impedir a exploração de diferenças para promover ressentimento social. A luta contra a divisão da classe trabalhadora é essencial hoje como amanhã.
  4. A reeleição de Trump tem várias consequências para a política internacional, que impulsionam a extrema-direita: em primeiro lugar, promove o genocídio em Gaza e torna Netanyahu inexpugnável às pressões internacionais, hostilizando governos que denunciaram o genocídio palestiniano, como o sul-africano; em segundo lugar, procura uma aliança com Putin; em terceiro lugar, promove uma internacional reacionária envolve diretamente a administração norte-americana nas eleições da Alemanha e de outros países europeus; em quarto lugar, usa as tarifas como uma política económica de submissão dos seus aliados e parceiros, e de confronto com a China.
  5. Nesse contexto internacional, o Bloco de Esquerda identificou o risco de acentuação da viragem à direita verificada desde há um ano, em particular, sob o aumento da pressão militarista neste novo quadro. Essa pressão cria medo e desloca a política para a direita, levando os partidos do centro a aceitar a corrida armamentista europeia e a submissão à NATO.
  6. Estes três fatores - a jogada da AD, que adotou o discurso sobre estabilidade que deu a maioria absoluta ao PS em 2022; a centralidade da questão da imigração, definidora de toda a política nacional; e o medo face à propaganda militarista – foram determinantes do contexto geral das eleições.

 

A resposta imediata à ameaça à Constituição

  1. A maior transformação ocorrida a 18 de maio foi o crescimento do Chega. Este resultado demonstra a sua capacidade de manter o eleitorado que recuperou à abstenção em 2024, aumentando-o em todo o território, com destaque para zonas mais deprimidas socialmente, do interior e das antigas cinturas industriais. Elevando-se previsivelmente a segundo partido em número de deputados (assim termine a contagem dos votos dos círculos da emigração), o Chega passa de facto a disputar o governo. Esta nova situação vai traduzir-se numa degradação geral das condições de exercício da democracia, tanto no parlamento (onde o Chega conduz há vários anos uma estratégia de esgotamento das condições de debate e expressão), como na sociedade, com a banalização da violência racista, machista, transfóbica e homofóbica e, em geral, fascista. Ao tornar-se maioritário no sul do país e em Setúbal, e ao reforçar a sua votação em todos os distritos, a extrema-direita ganha votos populares, incluindo muitos que no passado eram representados pelas forças de esquerda. Com essa representação, o Chega agravará a sua campanha xenófoba e anti-democrática, articulada com a ação de grupos criminosos que se movem na sua periferia (veja-se o recente ataque à manifestação do 25 de abril por um bando neonazi, logo aplaudido pelo Chega). 
  2. Na nova composição parlamentar, nenhum dos três maiores partidos pode compor maioria com partidos mais pequenos. No entanto, pela primeira vez os partidos à direita do PS ultrapassam o limiar dos dois terços que lhes permite promover alterações à Constituição. Este facto torna-se central na presente situação política, configurando um verdadeiro risco de alteração regressiva do regime constitucional, considerando o histórico do PSD nesta matéria, tanto no ataque às pensões sob a troika, como nas propostas de revisão da lei eleitoral, ou ainda nas declarações recentes sobre direito à greve. IL e Chega já anunciaram as suas intenções. O Bloco de Esquerda considera essencial a expressão unida de todas as vozes e forças políticas que se reveem nos valores e no texto da Constituição do 25 de abril, em defesa das liberdades e garantias por ela consagradas.
  3. Para o Bloco, o objetivo não é só resistir à vaga fascista e xenófoba ou a possíveis e perigosas conjugações da direita e extrema-direita, ou ao apoio do PS à governação de Montenegro. O objetivo do Bloco é reerguer-se, recuperar, criar e ampliar alianças e lutar pelo nosso povo com determinação.

 

A campanha do Bloco

  1. Nas novas circunstâncias políticas revimos o nosso modelo de campanha. Assim, decidimos focar-nos em poucos temas essenciais a que demos o maior destaque, procurando disputar o debate público: o teto às rendas, os direitos de quem trabalha por turnos e o imposto sobre as fortunas. Não abandonámos outras batalhas programáticas que fazem a identidade do Bloco, como os serviços públicos, igualdade, ou a rejeição da xenofobia, ou a oposição à guerra, mas concentrámo-nos naqueles temas para que fossem a nossa marca. Foi também desse modo que evitámos uma discussão vazia sobre governabilidade, apontando as medidas que permitiriam mudar de vida para partes significativas da população e que a nossa representação parlamentar disputaria em qualquer circunstância. Essa política teve efeito: a questão dos tetos às rendas foi importante no debate político, obrigou todos os nossos adversários a pronunciarem-se, foi reforçada pelas notícias crescentemente alarmantes sobre a crise da habitação e foi identificada por parte da população como uma resposta válida. Continuará a ser uma das lutas mais importantes para a vida do nosso povo – mesmo a maioria das famílias trabalhadoras, que compra casa própria, sabe que os seus filhos não o poderão fazer e não conseguem alugar uma casa. A segunda proposta, sobre o trabalho por turnos, foi apoiada por milhares de trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, nenhuma delas impulsionou uma recuperação  eleitoral, no contexto atrás descrito.
  2. Em segundo lugar, a nossa campanha favoreceu iniciativas descentralizadas de contacto direto, através do porta a porta. Fomos a mais de vinte mil casas e iniciamos uma forma de ação política que será fundamental no futuro. Fizemo-lo de modo diferenciado no país, mobilizando jovens militantes, aderentes recentes e mais antigos, que verificaram como podiam intervir diretamente e não como espectadores da campanha eleitoral. Pela mesma razão, substituímos os tradicionais comícios por “conversas de café”, abertas ao diálogo com toda a gente, e por festas e sessões públicas criativas e animadas.
  3. Em terceiro lugar, mobilizamos todas as nossas forças, incluindo as candidaturas dos fundadores do partido. Essas candidaturas não tiveram efeito eleitoral, mas tiveram efeito militante, dinamizando as campanhas em distritos maiores.
  4. Essas escolhas não inverteram o nosso ciclo eleitoral e o Bloco sofreu a sua pior derrota. E, sabendo que a discussão sobre o balanço das eleições permitirá identificar erros e apreciará, além das questões referidas, os modelos de comunicação, as formas de organização, a pedagogia da campanha, a adequação das respostas a campanhas sujas, ou outros aspetos desta batalha, o Bloco afirma que não deixará de lutar pelo que levamos a estas eleições: por uma política popular de habitação, pelos direitos de quem trabalha, contra a desigualdade e pela qualidade e garantia de serviços públicos, contra as ameaças fascistas e pela unidade em defesa da vida democrática e das regras constitucionais que a protegem.

 

Deliberações

  1. Nos dias 13 e 14 de junho, no Porto, o Bloco de Esquerda recebe o congresso fundador da Aliança de Esquerda Europeia para os Povos e o Planeta, um novo partido político europeu que junta Bloco de Esquerda (Portugal), La France Insoumise (França), Aliança de Esquerda (Finlândia), Podemos (Espanha), Aliança Verde e vermelha (Dinamarca), Razem (Polónia) e Partido de Esquerda (Suécia). O avanço das forças de extrema-direita e as crises social, ambiental e internacional exigem uma cooperação mais eficaz da esquerda verde, feminista e anti-racista europeia. O Bloco de Esquerda empenha-se nesta nova aliança e convida aderentes e simpatizantes  a uma participação ativa neste momento de debate e aprendizagem. Neste congresso, aberto à participação de outras forças de esquerda, europeias e internacionais, e a movimentos e ativismos sociais, pretendemos criar novas formas de trabalho solidário e preparar acções concretas de mobilização contra o capitalismo e contra a guerra, de resistência à extrema-direita e de recuperação de maiorias sociais à esquerda. 
  2. O Bloco de Esquerda continuará a preparação das suas candidaturas às eleições autárquicas, reafirmando o seu empenho em entendimentos programáticos para convergências à esquerda, sejam estas com o PS em Lisboa para derrotar Carlos Moedas, sejam para afirmar alternativas autárquicas à esquerda. Mesmo em concelhos onde o Bloco já apresentou candidatura, mantém a sua disponibilidade para processos de convergência, sempre que possível, com o PCP, o Livre, o PAN e movimentos de cidadãos. 
  3. Face às numerosas adesões de jovens verificadas ao longo da campanha eleitoral e nos dias seguintes às eleições, a Mesa Nacional reitera o seu apelo à participação no Acampamento Liberdade, que se realizará no centro do país de 24 a 27 de julho. Este e outros encontros alargados de formação e debate político, como o Socialismo 2025, que se realizará de 29 a 31 de agosto, são críticos nesta fase nova da vida do país.
  4. Em face da nova situação política e da pesada derrota eleitoral do Bloco, a Mesa Nacional decide lançar nova convocatória de Convenção Nacional para as datas de 29 e 30 de novembro. Não se trata portanto de retomar o processo que estava suspenso por força das eleições, dado que a mudança das circunstâncias políticas nacionais, a necessidade de reflexão profunda e de definição de uma orientação para os próximos anos não poderia ser tratada  como a mera conclusão de um processo iniciado em janeiro de 2025, quando nem se imaginava a convocação de eleições legislativas e Trump não tinha tomado posse. Com esta decisão, abre-se um novo período para apresentação de moções de orientação e é atualizado o universo dos aderentes com direito a elegerem e a serem eleitos.